sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Sou uma Mulher à Moda Antiga

Se eu pudesse, era essa a vida
que eu iria escolher. Com menos pressa e mais prazer

“Calma” me parece uma palavra suprimida no dicionário da vida contemporânea. E está tão ligada
ao lado feminino do humano, àquele que contempla, que sossega, que atende, espera e acolhe. Há que ter calma para viver os ciclos naturais, para
suportar cada um de seus instantes. Não se vive mais com calma, não se saboreia mais a espera. A era tecnológica associou a espera ao desperdício, ocasionando em quem espera um sentimento de inutilidade e angústia. Temos tudo instantâneo, de sopa a comunicação, e elaborar demoradamente aquilo que será entregue ao outro ou consumido


por nós mesmos, seja no trabalho ou em casa é uma experiência
que nos foi extirpada pela cultura do imediatismo.

Penso que todos perdem muito nesse afã pela velocidade, pela pressa em estabelecer resultados e atingir metas (no trabalho são estabelecidas pela empresa, no lar são as normas da praticidade e economia, seja de tempo, de dinheiro, de energia, sempre ela, a política do menor esforço sobrepondose à entrega e à dedicação que leva tempo, muito tempo).

Mas acho que as mulheres perdem mais, ou talvez eu perca muito, e fique inconformada de não ouvir da boca de outras mulheres reclamações iguais às minhas. Adoro poder ficar em casa. Até bem pouco tempo, isso me agoniava. Até que descobri a possibilidade de estabelecer um bom diálogo com o mundo sem ter que necessariamente interagir diretamente com ele, e considero um privilégio ter essa “conversa” de dentro da minha toca.

Me preservo do que é ruim (horários, trânsito, poluição, colegas importunos, chefes arrogantes, notícias desagradáveis, máquinas de café) e me concentro naquilo que agrega coisas boas à minha escrita, que me faz pensar, me comove, espanta ou instiga. E sobra tempo. Acima de tudo, adoro o tempo livre. Pra poder olhar as minhas meninas e assistir de perto elas crescerem.

Como é lindo ver crescer uma menina. Tudo delicado e de faz-de-conta, quase tudo corde-rosa. Tudo lantejoula, tudo tule e laço de fita. Muito riso, muito choro. E ensinar a ser feliz é o mais bonito de ser mãe. Pegar no colo, conter o choro, secar a lágrima e dizer que é assim mesmo, que a gente cai, que às vezes dói, que às vezes sangra, mas que sara. Mas que é pra tomar cuidado, porque às vezes pode machucar demais. E que é preciso rir, porque entre um tombo e outro existe a diversão, as descobertas e a varinha de condão.

O tempo livre é bom para poder inventar histórias, como as que eu publico e as que eu guardo para mim. Porque quem escreve é assim mesmo, escreve sempre, e escreve à toa porque é quase compulsão, e se não escreve fica doido. E depois bordo, ou costuro bolsa e almofada pras crianças, e também de presente pra quem amo. E enquanto bordo ou costuro as almofadas fico pensando no dono do presente, e em cada pontinho da agulha penso baixinho um “eu te amo” feito reza de velhinha, pra ficar o meu amor na casa toda onde estiver a almofada.

Olho em volta e ainda há tempo, e comidinhas pra fazer, a gatinha pra brincar, as plantas pra cuidar, e dá uma preguiça, porque quando se tem tempo é que não dá vontade de fazer nada mesmo, e penso
se faço alguma coisa ou se durmo, então eu durmo um bocadinho, o que é que custa? E quando acordo, dou um gás naquilo tudo que ficou para ser feito e eu fui deixando até não poder mais arrastar.
Geralmente é nessa hora que me lembro de uma amiga, uma que vive dando bronca, porque acha que eu tinha que ser uma grande executiva, e sinto um certo calafrio.

Ela acha um despautério eu ficar em casa em vez de subir que nem foguete numa empresa. Ela acha o fim de todas as picadas eu perder tempo cozinhando, em vez de comprar comida congelada e fazer um MBA.

Ela ainda me acha ingênua por ainda acreditar na possibilidade de um amor intenso e verdadeiro (e cúmplice, e terno, e eterno, quem sabe?) e só falta me espancar quando digo que não sei se teria mais um filho num segundo casamento. Ela desconfia de homens. Ela acha que o destino de todo relacionamento é a traição e o abandono.

Ela é uma grande executiva. Ela quer ganhar muito dinheiro, e acredita que essa é a única maneira de ser respeitada por um homem. Ela quer viajar o mundo sozinha. Ela não pensa em filhos – gravidez deforma o corpo – o homem se desinteressa e arruma outra, criança dá trabalho e ela gosta de dormir a noite toda. Ela adora sexo e quer fazer sexo selvagem a vida inteira. Fiquei pensando nela, em quanto tempo somos amigas e no quanto estamos nos tornando a antítese uma da outra.

Quase noite e fui tomar um belo banho, com resquícios da amiga no pensamento, mas já de volta ao meu mundinho. Minha filha mais velha pediu para eu comprar uma planta carnívora, preciso encontrar
o endereço da floricultura especializada. A mais nova quer que eu faça a receita de rosquinha de aveia. Estreou uma peça nova no teatro aqui pertinho, e acho que elas vão gostar. Esse sabonete novo
é uma delícia, hoje nem vou usar o óleo de banho, esse cheiro é tão gostoso...

Enquanto conto historinhas, elas vão pegar no sono. Espero um pouco na poltrona, até que durmam. Penso nele com saudade, e no que é que vou vestir para esperá-lo. Escolho a camisola branca de cambraia, com rendinhas. Sou uma mulher à moda antiga. Depois, já deitada em minha cama, penso em tudo o que faremos quando ele tirar minha camisola. E penso que, se eu pudesse, viveria só de amor.

Sem comentários: