terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O Amor Não Nasce Pronto

Mas para que um amor de fato possa começar, é preciso que outro acabe. E, sem a esperança num amor novo, somos incapazes de enterrar um amor falido

Nesse ponto, sempre evoco Hanif Kureishi, escritor inglês de origem paquistanesa muito perspicaz
nas agruras dos que tentam incansavelmente atingir um relacionamento que seja a um só tempo companheiro, respeitoso, repleto de afinidades e desejo, e, se possível, de poesia, e sempre me impressiono com suas palavras. Todos os seus romances trazem à tona a questão da dificuldade em se estabelecer o diálogo verdadeiramente amoroso, em conquistar a intimidade entre o casal, e ainda assim manter a integridade, a admiração e o interesse um pelo outro, sem que a beleza se esvaia na descida até


os ínferos da jornada conjugal.

E Kureishi, na voz de Jay, personagem do romance
“Intimidade”, escreveu: “Tento me convencer
de que abandonar uma pessoa não é a pior coisa
que se pode fazer a alguém. Talvez seja melancólico,
mas não precisa ser trágico. Se a gente nunca
deixa para trás nada nem ninguém, não sobra lugar
para o novo. Naturalmente, avançar é uma infidelidade
– para com os outros, o passado, as antigas
idéias que cada um faz de si. Continuar seria uma
atitude otimista, esperançosa, que garantiria a
crença no futuro – uma declaração de que as coisas
podem ser melhores, e não apenas diferentes”.
Em nome dessa crença, já abandonei um grande
amor. E mais outro depois dele. Porque achei que
as coisas poderiam ser melhores, e não apenas diferentes.

Era bom, mas algo secretamente gritava em
mim reivindicando o apogeu, suplicando o ápice que
jamais fora atingido, e que mesmo nunca tendo sido
experimentado, organicamente sabia ser capaz.
Em nome dessa crença, amigas desfizeram casamentos.
Muitos deles pareciam tão felizes, tão “perfeitos”.

Em nome dessa crença, se lançaram à solidão
e ao absoluto abandono. Porque mulheres são
assim, viram a página e colam, para depois escrever
outra. Não gostam de ir emendando suas histórias
feito tiras de gibi, banalizadas e sem intervalo.
Mas intimidade custa muito caro quando começa
com a paixão. Porque paixão é um troço perigoso.
Vem feito torrente de emoções, descontrolada,
desprogramada, sem ajustes. Se equaliza com
o tempo, mas há que haver tempo para tanto. É
tanto acúmulo de desejo e sentimento e de vontade
e fantasia e de saudade e desespero que quando
sai, sai vomitado, explodido, às vezes lindo, às vezes
feito coice de cavalo. E quando a gente vê, de um
desejo alucinado, resultou a estupidez.

De uma vontade tão enorme de estar junto, e de um medo tão
grande de ouvir “não”, acabou se antecipando, e
foi agressivo antes do tempo, antes até que o “não”
viesse (sem saber se ele viria, só por precaução, só
pra não sofrer, meu Deus, que é isso?), e fica tão
estupefato com essa falta de controle que chega a
perder a fala e não sabe como se desculpar.

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