quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Mudamos nós ou mudaram as crianças?

Ser criança no terceiro milênio será fácil e prazeroso, ou um desafio aos nossos pequeninos? Me pergunto:
O que acontece com eles quando a sociedade
investe num amadurecimento precoce e exigente, impondo um modelo de pequeno adulto a ser seguido, investe num amadurecimento precoce e exigente, impondo um modelo de pequeno adulto a ser seguido?
O que tem de diferente a criança do terceiro milênio? O acesso à internet, a velocidade das comunicações, o conhecimento precoce sobre temas como clonagem, violência, transplantes e seqüestros, balas perdidas, terrorismo, está mudando a natureza infantil?
Até que ponto o amigo virtual, a forma de brincar interagindo com a máquina, o vídeo game e sua ética de adquirir novas vidas todas as vezes que vence ou mata o adversário, o hábito de comprar brinquedos e não construí-los e usar muito mais os dedos que as pernas , a brincadeira sedentária e solitária, a presença da realidade substituindo a fantasia, roupas de adulto, salto alto, baton e o namoro precoce, sobretudo a sobrecarga de responsabilidade, horários e compromissos está mudando a identidade infantil?
Mudaram as crianças ou mudamos nós?
No contato com milhares de crianças, que a minha experiência profissional me permite, percebo que elas não mudaram. Têm um olhar encantador de manhãs douradas, têm mãos inquietas como as do criador, têm sorrisos abertos e doces como a brisa da tarde. Ganham tempo olhando formigas, sentindo a terra e provando o orvalho sempre que incentivadas.
Mudamos nós, que deixamos de falar de estrelas, sacis e cucas. Que esquecemos de olhar o céu, de ver o manto estrelado da noite, de pensar nas cores dos peixinhos do mar, nos brilhos dos raios do sol, nas cores do arco íris. De cantar e contar histórias.
Ficamos estáticos, deixamos de voar nas asas das borboletas e dos pirilampos. Trocamos a leveza dos sonhos e da fantasia pelo peso de uma realidade que cai sobre nossos ombros e nos paralisa de tanto cansaço. A nossa verdade ficou dura e a nossa realidade cinzenta.
Mudamos nós que apressamos a vida, que contabilizamos sorrisos, olhares, palavras e dinheiro, que fazemos das crianças seres como nós, que impomos etapas queimadas, que lhes impingimos agendas cheias de horários estressados, roubando deles o tempo e o espaço de ser criança, a ternura e a descomplicação de um ser que tem que ter seu tempo de crescer normal, para existir completo.
Mudamos nós, quando nos conformamos com o que foi feito das nossas crianças. Pequenos adultos com gastrite e colesterol, presos em apartamentos, longe do sol, expostos à solidão do brinquedo eletrônico. Aprendendo a vencer para não ser vencido, a matar para não ser morto, a confundir a vida real com a realidade virtual.
Mudamos nós quando esquecemos a simplicidade de uma brincadeira que favorece a intimidade e o toque, que aproxima mãos olhares e corações, trocamos o pirulito que bate bate, a largata pintada a pintalaínha, a brincadeira que investe na descoberta do outro na parceria na troca de informação e cooperação, pela passividade de telespectadores e cinéfi-los.
Brinco com crianças toda a minha vida, aprendi com elas que benéfico é sempre o equilíbrio. Que elas tenham acesso a toda modernidade, mas também sejam garantidas horas livres, companheiros, espaços de vida ao ar livre, a oportunidade de inventar e criar seus próprios brinquedos, de conviverem entre si e inter classes, para aprenderem a respeitar o conhecimento alheio, valorizar a troca de saberes e desenvolverem uma convivência democrática e participativa na sociedade que tem na sua cultura da brincadeira, a identidade da infância brasileira.

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