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O que quero mostrar através desta experiência é que nós, seres humanos, agimos assim com muita freqüência. Nos permitimos levar choques, entramos ou permanecemos em situações e/ou relações destrutivas, castradoras, acumulando mágoas e traumas até um ponto que não sabemos mais diferenciar o que faz bem do que não faz. Nos adaptamos as mais diferentes formas de violência, seja física ou emocional. Porém, não podemos permanecer neste estado, perdendo nosso poder de defesa e de luta, deixando de buscar o que acreditamos e valorizamos. Entramos em relações destrutivas na ânsia de compensar perdas e rejeições anteriores. Sem discernimento, nos deixamos envolver nestas situações porque a princípio parecem nos fazer felizes ou assim queremos acreditar, e não resistimos. Nos deixamos seduzir, mesmo quando algo nos diz para dizer não, talvez muito mais por uma ilusão, idealização ou carência, do que pela própria realidade. Quando realmente conseguimos perceber, já estamos envolvidos com pessoas e situações que nos machucam e nos impedem de crescermos. Em função da própria carência ou em decorrência da busca de uma vida feliz, há pessoas que se tornam vulneráveis e se deixam envolver com certa facilidade. Se algo ou alguém nos dá a impressão que irá preencher um vazio, nos agarramos sem questionar. Em virtude do cansaço de tanto nos defendermos ou da perda das defesas psicológicas, acabamos por ceder. Seja em relacionamentos infelizes na vida afetiva, quanto na vida familiar, pessoal, profissional, social, é muito difícil libertar-se da dependência depois que a deixamos instalar. Não é fácil perceber e aceitar que muitas vezes nos tornamos acomodados e dependentes até do que nos faz mal. Importante: não falo aqui da dependência financeira, mas principalmente da emocional. Quando permitimos ser privados de nossa saúde mental e de nossos próprios instintos, não é fácil o caminho de retorno, como o cão que não mais percebe que a porta da jaula eletrificada está aberta. Isto por que a tomada de consciência da dependência é um processo psicológico dolorido, como se o conhecimento das causas doesse mais que o sofrimento. Quando desvalorizam tudo o que fazemos ou criamos, seja o que for, é como se jogassem no lixo nosso 'eu' mais verdadeiro. Neste caso, a pessoa cai num tipo de indiferença consigo mesma, porque perde o auto-respeito, a confiança e a capacidade de se amar, como se passasse a se punir por ter permitido que o outro rompesse suas barreiras mais caras e ultrapasse os limites da sua individualidade. Nos perdemos não só porque os outros não respeitam nossos limites, vontades e desejos, mas principalmente porque nós próprios não os respeitamos. Mesmo machucados, dilacerados em nossos sentimentos mais íntimos, insistimos em manter a situação. Abaixamos nossa cabeça, calamos nossas vozes, fechamos nossos olhos e acreditamos estar vivendo. Viver? Como viver sem alegria, sem crescimento, sem transformação, afastados de tudo o que nos é importante? Quando alguém é conduzido pelos valores dos outros por muito tempo, fecha-se num mundo sem cor, deixa-se aniquilar, anular, morrer internamente. As escolhas destrutivas machucam, nos fazem sentir no fundo do poço, mas também podem nos fazer aprender e crescer, desde que estejamos prontos a reconhecer os erros e a reagir. Isto ocorre quando não mais conseguimos suportar, e ao olharmos à nossa volta, questionamos o que fizemos com nossa vida. Que direito temos de nos destruir ou permitir que o outro o faça? Se a pessoa percebe isso, reúne forças para recolher os pedaços que sobraram, cuidar dos ferimentos e recomeçar a vida. Ela entende que ainda que um episódio represente um desastre, há outros episódios à sua espera, outras oportunidades de acertar, outros caminhos a tomar, apesar do medo que fica como seqüela. Nosso eu interior, o self, insiste sempre para que nos salvemos, mesmo quando nos escondemos na perda da vontade de viver. Ainda que por sonhos ou mensagens, ele faz com que nos conscientizemos de nosso valor, para que possamos resgatar a nós próprios. À medida que recuperamos nossos instintos, o self, nossa própria vida, poderemos falar a nossa própria fala, ouvir a nossa própria voz, enxergar com nossos próprios olhos, sem nos deixar cair em armadilhas, ilusões e sofrimentos, mas acreditar que somos capazes de reconstruir e retomar o próprio caminho, abrindo as portas com nossas próprias chaves, para que ninguém nos deixe do lado de fora e nem trancado do lado de dentro. Quantas vezes você não pediu para abrirem a porta para que você entrasse, mesmo sabendo que seria maltratado? Mas mesmo assim você entrou, talvez por ser a única porta que se abria... Ou quantas vezes você não permaneceu no mesmo lugar que era maltratado, mesmo com as portas abertas?... E lá ficou, mesmo sabendo que este não seria o seu lugar. Afinal, qual é mesmo o seu lugar? |
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